Serra da Estrela

Queijo "menino". Entrevista com a Ti Helena a "Queijeira de Torroselo"

18-02-2012 10:18

Numa época em que proliferam as feiras do queijo por esta região, também nós em Torroselo temos quem se dedique a fazer o queijo Serra da Estrela. Esta entrevista foi feita há alguns anos no entanto está bastante actual no seu conteudo daí a partilharmos com os nossos leitores.

"queijo menino"
Já são muitos, os anos em que a D. Helena se levanta às seis da manhã, para fazer o queijo e o requeijão. É por isso que lhe chamam a «Queijeira», em Torrozelo. «Vêm de Lisboa buscar o queijo amanteigado», relata. A origem do seu trabalho vem da pastorícia do seu marido, que apesar de ser reformado por questões de saúde, não deixa de cuidar do seu rebanho. «As ovelhas dão muito trabalho», pois precisam de ser cuidadas diariamente, durante cada mês. «Não temos domingo nem festa», afirmou a D. Helena. O lugar onde estes animais se refugiam, «o tabuado» tem de ser limpo, todos os dias e lavado duas vezes por semana. Atendendo a que, o rebanho é constituído por 74 membros, podemos avaliar um pouco, todo o trabalho necessário com a limpeza e a alimentação. No tempo da neve, as ovelhas comem a palha do milho ou batata, quando esta está mais barata. Nas outras alturas do ano, precisam ser deslocadas para os prados. Entretanto, todas as manhãs e ao fim da tarde, as ovelhas são ordenhadas. O leite recolhido irá ser transformado em queijo e requeijão. Vejamos como. Antes da chegada do leite, a D. Helena prepara o «cardo azul e o sal num almofariz». Ali, o cardo é desfeito junto com o sal para ficarem ambos em partículas de menor dimensão. Quando o leite chega, é deitado num recipiente largo e é lhe juntado o cardo para que coalhe. O processo de coalhe dura cerca de 45 minutos a uma hora. Depois, a coalha é reunida com um pano e separada progressivamente do soro, que escorre para outro recipiente através de uma espécie de pequena mesa de madeira inclinada. Após ser espremida, é colocada em formas circulares, atadas de um dos lados, que permanecem na dita mesinha enquanto o sono vai escapando através dos orifícios feitos na forma. Sobre essas são colocados alguns tijolos de barro maciços, que ajudam a apertar a coalhada de maneira a expelir o soro. Cada dia a produção de queijo da D. Helena varia entre dois a cinco queijos, consoante o mês do ano, ao passo que a recolha do leite é iniciada nos finais de Outubro, início de Novembro e termina em Junho. Na época do estio, a produção de queijo é interrompida para garantir a qualidade do produto e saúde do consumidor. A este respeito, as visitas sazonais do veterinário também são importantes. Até estarem prontos para consumo, os queijos precisam de cerca de um mês de secagem vigiada. «São como os meninos, os queijos», diz a D. Helena, porque requerem, mesmo depois de feitos, atenção constante. O soro do leite, retirado para feitura do queijo, não é desaproveitado, antes serve para o fabrico do requeijão, que é tão apreciado, quer com café, doce de abóbora, no pão e de várias outras maneiras. Para que não fique salgado é acrescentada alguma água ao soro e também um pouco de leite completo. Assim, a D. Helena faz o aproveitamento integral do leite. Houve tempo em chegou a tirar manteiga, do soro do leite. Depois de «queijar» a D. Helena irá cuidar dos campos onde cultiva alguns legumes e forragens para os animais. Tem imenso trabalho e sempre assim foi, pois desde cedo que trabalha na agricultura, no tempo em «que se cultivavam as terras todas». Só depois de casar, aos 25 anos, é que passou a ter ovelhas. Inicialmente, o leite que retirava era para vender para a fábrica de queijo da Catraia de S. Romão. Com o tempo apercebeu-se que poderia valorizar o leite para produzir ela mesma o queijo. Neste momento, é a única queijeira em Torrozelo, pois uma outra senhora que partilhava a actividade na zona, já faleceu. Depois de criar quatro filhas e um rapaz, a D. Helena já se sente um pouco cansada e é com a ajuda dos filhos que se vai animando, embora as filhas morem em Lisboa e o filho só venha da capital, onde trabalha, aos fins-de-semana. É preciso trabalhar muito «para se viver com a cara descoberta». Entrementes, a D. Helena conta, no próximo ano, passar a receber a reforma, pois já desconta para a Casa do Povo há 23 anos. Logo poderá, então, diminuir o trabalho vendendo parte do rebanho. Até lá, deseja continuar a produzir os seus queijos tão procurados e o requeijão tão gostoso, para o encanto dos seus clientes. Já expôs o seu produto na «Feira do Queijo» e chegou a vende-lo no mercado regional, mas «o povo não olha à qualidade do queijo, quer é barato». Agora opta por manter a sua pequena «venda» no rés-do-chão da casa onde mora, junto da escola primária, em Torrozelo, localidade donde é natural. A impressão com que o consumidor (em geral) fica quando se fala em Queijo da Serra, é de que se trata de um produto bastante caro. A verdade é que, sendo este produzido com leite de boa qualidade, quer muito investimento, até mesmo a nível do aluguer dos prados. Quando vemos um rebanho a pastar «a monte», sempre pensamos que a Natureza o guarda, mas os terrenos aparentemente selvagens têm donos, que os alugam aos pastores. Por outro lado, é necessário muito trabalho por parte do pastor e do queijeiro(a), que procura uma produção natural isenta de aditivos químicos, como nos mostra a D. Helena. Levar tudo isso em conta pode-nos ajudar a apreciar melhor este produto característico da Serra da Estrela e a arte ancestral patente na sua produção, por pessoas dedicadas, como a D. Helena que tivemos o prazer de conhecer pessoalmente.

Esta entrevista foi publicada pelo jornal NOTICIAS DA SERRA (2004)

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