Da Beira para a Capital
15-03-2012 21:08
Da Beira para a Capital
(Conto do Passado e do Presente, dedicado ao meu amigo Costa Oliveira, pelo seu talento e coração)
Pela antiga Rua de S. Roque subia eu e o meu amigo F..., falando do temperamento e da influência do meio.
Apesar dele ter sido criado até aos doze anos na abastada casa de seu pai, poucas eram as saudades que tinha da Beira. O avô, que a pedido daquele o arrancara impiedosamente aos braços da mãe abandonada, incutira-lhe de resto, no ânimo e desde pequeno, os desprendidos costumes do mundanismo.
A mim sucedia-me o contrário. A pátria natal era para mim saudosa. Sensibilizava-me a evocação da terra que me tinha sido berço; onde os primeiros arrebóis da Luz me tinham sorrido, ao som tímido dos beijos daquela que me tinha procriado; onde primeiro tinha visto umas estrelas cravadas no azul da Imensidade, umas gotas de orvalho regarem-me os cabelos e onde a terra me alimentara com abundância.
Sim: eu amo a minha terra natal, a aldeia que me embalou ao som fúnebre das Ave-Marias; amo o rio, o sopro quebrado da brisa que murmura ao ouvido do vetusto campanário da Igreja, o seio fresco da floresta, o verdejar das campinas, o florir dos campos e o cemitério rude, que conduz aos portais insondáveis da Eternidade. E porque tudo isto amo, porque amo a minha Beira cheia de afectos e de encantos, eis porque nunca pode abraçar a Cidade até ao íntimo da alma. E’ certo que nos grandes centros se respira a lúcida atmosfera da Civilização e do Progresso; é certo que nela a alma escuta mais o Futuro, porque melhor a fazem compreender; mas na Beira, o artifício é produto de mãos amigas, a Natureza domina e a energia vital afasta-se do Vício do Egoísmo e da Traição!
A. Madeira
Fonte: Ares da Beira, de Francisco Mendes Póvoas, Lisboa, Maio de 1917
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