Serra da Estrela

Apoteose...

20-03-2012 23:35

 

Todo o civilizado e bom torroselense passa parte do verão na sua terra; e, quando as condições lhe permitem, não deixa também de visitar o S. Bento, advogado da varíola e tumores, pela Páscoa. Páscoa, pois, chegada, “rápido” com ligação para a Beira Alta, Seia, Torroselo...

A Primavera mal desperta...

Nos campos só verdejam os trigais, os centeios e a erva que serve de pasto aos rebanhos que se espalham pelos prados. Aqui e além, uma ou outra árvore começa a florir. Os soitos horrorizam, tal é a nudez que os castanheiros apresentam. Das aves, já ronda o cuco em monótono canto pelas encostas e a cotovia já se faz ouvir nos alqueives, mas o melro só melodia por instantes nos silvados e o rouxinol só trina por conto nos salgueirais. Os côrregos barulham ainda com arrogância no seio dos vales. Rãs coaxam de peitos são nas lagoas improvisadas pelas chuvas que ultimamente escorreram com abundância sobre a Beira. A terra tomou água por toda a parte. A neve alveja em camadas irregulares e resplandecentes na agrura negrejante dos penhascos da Serra da Estrela; os flocos níveos que coroaram as cumiadas intermináveis, ao passo que carregaram da cor da romã alguns rostos, tingiram outros da sombra dos vales, onde o regato gelando, deixou de marulhar. O frio é intenso. As velhinhas, as avós, as mães, rezam ainda nas lareiras, onde a vide queimada nas dobras dos molhitos oprimidos, arde com rumores. A faina dos campos, a vida da enxada e do arado, vai espalhando, cada vez com mais fé, as sementes à terra fecunda. Com o despertar da Primavera vem o reflorir dos campos e com a floração da Natureza uma sensação de esperança, embora vaga, principia a sorrir à alma, como no acordar dum pesadelo horrível, o sol nos indica a manhã com uma realidade confortante...Pela Páscoa, como no verão, todo o civilizado e bom torroselense vai à meia-tarde ao correio dar cavaco aos parceiros e comunicar sobre as novidades da última hora. 

Meia-tarde. Crianças esfarrapadas desfiando o frio no “jogo da pela”, académicos galhardos gozando as férias e pesando o tempo dia a dia, mulheres de maridos ausentes esperando “carta registada”, mães saudosas dos filhos atirados à Cidade, um ou outro homem que se não mata com o trabalho ou para ali, de caminho para a fazenda, tudo espera o correio. Mais vinte minutos. Enfim: a tia Maria, vagarosa, ronceira, de malas à mistura com vaca e tabaco, assoma à figueira da Quelha do Poço. Suspendem-se as brincadeiras e as conversas. Não se espera que a mulherzinha chegue: um rapazito vai pressuroso buscar a mala.

           - Aqui está o correio!

            - Lá vamos, lá vamos! – responde na maior calma o prestimoso empregado. Mala aberta.

            - Correio de Várzea!

            - Quinta da Bela Vista!

            - Vila Alberto Fontes!

             -Vila Helena!

           - Raio tantas “vilas”.

           - Se calha a rapariga “roeu-me hoje a corda”,

          - desabafou um académico.

Fonte: Entre Serras, de Francisco Mendes Póvoas, Lisboa Julho de 1926

Por: A. Madeira

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